terça-feira, 3 de janeiro de 2023

 


À primeira vista, era uma ideia absolutamente destrambelhada. Com o objetivo de coletar dados para futuras aulas, três professores da rede pública de ensino planejavam uma jornada até os confins da América do Sul. A bordo de um veículo movido a óleo de cozinha usado, eles queriam cruzar três países, visitando 29 cidades, em um total de 27 720 quilômetros. Tudo isso em menos de quarenta dias.

Pois os aventureiros Gilmar Guedes, Marco Aurélio Berao e Robson Macedo não só completaram o roteiro como mobilizaram 800 estudantes do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, na organização da viagem. Os alunos, que acompanharam a expedição passo a passo pelo Facebook, foram os responsáveis por criar uma rede de arrecadação de recursos e, através de campanhas de reciclagem, o “combustível” utilizado.

“Queríamos que eles se envolvessem em uma missão e percebessem que é preciso força de vontade para alcançar objetivos. Seja para cruzar o continente, seja para entrar em uma universidade”, explica Gilmar, que com Marco e Robson, fecharam uma parceria com a Secretaria Estadual de Educação para apresentar o bem-sucedido projeto em outras escolas.

A aventura teve sua gênese em uma festa de confraternização da escola em 2011. Enquanto Gilmar, professor de filosofia, narrava as viagens que já havia feito de carro pelo Brasil. O colega Marco, que dá aulas de biologia, encantou-se com os relatos e propôs um desafio: que eles embarcassem em uma excursão ecologicamente correta até a Patagônia. “Como não podíamos levar os alunos junto conosco, a questão ambiental era uma forma de envolvê-los no projeto”, conta Marco.

A audaciosa escolha de pegar a estrada rumo ao fim do mundo – como é conhecida a região do Ushuaia, na Argentina – a bordo de um veículo com mais de cinco décadas de uso, no entanto, não estava no plano inicial. “Pensamos em comprar um furgão e transformá-lo num motor-home, mas não conseguimos patrocínio e nem tínhamos verba para isso”, lembra Robson, professor de ensino religioso.

A solução foi adaptar o Mercedes-Benz, ano 1958, que o professor Gilmar usava para ir e vir do trabalho. O carro, que ele guiava até 2019, ganhou um tanque auxiliar e um trocador de calor. As alterações tornaram possível a utilização do óleo de cozinha como combustível. Um terço do trajeto foi feito com essa tecnologia e emissão zero de carbono.

Durante os 37 dias de expedição, não foram raros os obstáculos que eles encontraram pelo caminho. Sem dinheiro para hotel, o trio acampou em barracas armadas à beira da estrada.  Enfrentaram variações climáticas drásticas – na Patagônia, em um único dia o termômetro marcou 45 graus pela manhã e 3 graus negativos à noite. Sem falar na dieta à base de macarrão instantâneo e no convívio para lá de intenso. “Quando aquela empolgação inicial passou, começamos a brigar até por qualquer besteira. Discutíamos sobre tudo, do melhor caminho a tomar até a comida”, diverte-se Gilmar.

A maior provação, no entanto, aconteceu logo no início, no nono dia do roteiro. Parecia até cena de filme.  O rolamento do eixo traseiro do carro quebrou, fazendo com que uma das rodas do veículo se soltasse e saísse rolando pela estrada afora. “Estávamos no meio da Patagônia, a 120 quilômetros da cidade mais próxima. Achei que nossos planos acabariam ali mesmo”, lembra Robson. Após algumas horas à deriva, eles conseguiram ajuda para levar o carro a uma oficina e reparar o problema.

Com o sucesso da aventura, os professores começaram a desdobrar a viagem para fora das salas de aula. Estava nos planos dos docentes um livro, um documentário e uma exposição multimídia, que saiu do papel em maio de 2013, quando entrou em cartaz no consulado argentino a mostra com 150 fotos e um vídeo com imagens da fauna e da flora das regiões visitadas.

O trio também vem organizando uma nova jornada, ainda mais ambiciosa, para daqui a dois anos, agora para o Extremo Norte, Alasca. O roteiro ainda não foi definido, mas estão no páreo as estradas do Chile e uma rota cruzando a Bolívia e o Peru. Além de envolverem os alunos, eles querem desta vez percorrer 100% do trajeto utilizando o combustível vegetal. “Vamos construir uma rede de coleta em parceria com consulados e instituições de ensino para fazer uma expedição ecologicamente correta, do início ao fim”, planeja Gilmar.

Como se vê, apesar dos inúmeros problemas que a rede pública enfrenta, é possível despertar o interesse dos alunos pelos assuntos tratados em sala de aula. Basta ter criatividade, determinação e prazer em ensinar.


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