domingo, 16 de fevereiro de 2014

América de cabo a rabo

Por Fernanda de Castro Lima

Três homens saíram do Brasil em abril de 1928, rumo aos EUA pilotando um Ford Modelo T  - o popular Ford Bigode, o fusquinha de seu tempo -, para cruzar 15 países e percorrer 28 mil km. Seu sonho é unir as três Américas ao rasgar uma estrada entre elas. A missão logo se mostraria muito mais dura, sofrida e perigosa do que elos podiam imaginar.


Ainda em território brasileiro  - estavam perdidos havia dias no Pantanal matogrossense -, uma onça atacou 3 cães  que caminhavam ao lado daqueles estranho objeto sobre rodas. O mecânico Mario Fava, um dos integrantes do trio de aventureiros, atitou no animal. Mesmo ferido, o felino saltou sobre ele e o derrubou. Seu amigo Francisco, com o auxílio de um dos 5 índios que os ajudavam a sair da mata, cravou um facão no crânio do bicho. Atordoada, a onça agora era presa fácil para os cães, que a mataram e comeram.

Essa foi só uma das muitas aventuras da comitiva. A ideia da rodovia surgiu em 1923, na 5º Conferência Internacional dos Estados Americanos, no Chile. Passados 5 anos da reunião, porém, o projeto ainda era considerado impossível. O tenente do Exército Leônidas Borges de Oliveira decidiu provar que era viável, sim, a construção da Carretera Panamericana, como seria chamada a futura obra. Para ajudá-lo, convidou o oficial da Aeronáutica Francisco Lopes da Cruz, amigo que sabia tudo de engenharia. Quando a dupla passou pela região de Pederneiras (SP), o mecânico Mário Fava, que sonhava conhecer os EUA, ofereceu-se para acompanhá-los. E foi.


A façanha é contada pelo historiador Beto Braga no livro O Brasil Através das Três Américas. Ele soube do episódio em 1998, quando morava na Bolívia e conheceu o filho do comandante Oliveira, que lhe mostrou anotações feitas pelo pai. "Foram 8 anos de pesquisas para o livro", diz o autor. A expedição teve apoio financeiro do presidente Washington Luís e patrocínio do jornal O Globo, que doou o carro ao grupo.

Batizado de Brasil, o Ford T saiu do Rio de Janeiro no dia 16 de abril, aplaudido por uma multidão. Em São Paulo, os expedicionários ganharam um reforço: a caminhonete Modelo T, presenteada pelo Jornal do Commercio. O automóvel recebeu o apelido de São Paulo. O primeiro contratempo viria em Bauru (SP): dinheiro, fotos, documentos e a ata da viagem foram roubados. No Mato Grosso, deram de cara com a tal onça-pintada. Quase um ano depois da partida, alcançaram a fronteira paraguaia. Dos 2652 Km percorridos até lá, mais da metade era de trilhas e picadas.


Hóspedes de honra

O Paraguai vivia um momento de forte tensão com a Bolívia. Havia uma disputa pela região do Chaco que se estendia desde a época colonial. A fonteira entre os dois países passava por ali e não era bem definida. A descoberta de gás e petróleo na Bolívia resultaria, 4 anos depois, na guerra mais sangrenta da América no século 20, a Gerra do Chaco. mesmo no centro desse furacão, o presidente paraguaia, José Guggiari, encontrou-se com os brasileiros e os declarou hóspedes de honra.

Recepções com pompa e circunstância, aliás, se repetiram em muitos lugares. Eram acolhidos com festas por autoridades e moradores. Muitos ajudavam na tarefa de abrir caminhos - alguns por vontade própria e outros recrutados pelos exércitos locais. No Peru, o trio encarou um obstáculo colossal: a cordilheira dos Andes. Lá, Mário Fava mostrou ser um sujeito de sorte, pois escapou duas vezes da morte. no dia 21 de outubro de 1929, São Paulo caiu num abismo - ele só sobreviveu porque o automóvel, na queda, ficou preso em uma árvore. oito dias depois, enquanto a Bolsa de Nova York despencava, o carro Brasil também ia precipício abaixo. E o mecânico escapou por pouco outra vez.

Beto Braga considera Fava o grande herói da expedição. Graças a seus conhecimentos, mantinha os carros funcionando mesmo na base do improviso. Na Bolívia, por falta de álcool (combustível do Ford T), o carro foi abastecido com uma bebida indígena feita de milho. na Colômbia, encheram os pneus desgastados com capim  - o que provocou outro acidente que quase esmagou Fava. 

Enquanto o grupo passava pelo Equador, recebeu a notícia de que Getúlio Vargas assumira o poder, com a Revolução de 1930. No Panamá, os carros foram desmontados para cruzar os rios, os viajantes viram, espantados, índios loiros de olhos azuis (homens albinos da tribo dos cunas), encontraram a delegação olímpica brasileira a caminho de lós Angeles e souberam que, no brasil, são paulo tentava derrubar Getúlio e promulgar uma nova Constituição  - era a revolução Constitucionalista de 1932.


Os viajantes e o revolucionário

Na Nicarágua, o grupo encontrou com o guerrilheiro Augusto Sandino. O líder popular pretendia derrotar a ditadura da família Somoza. Mas havia firmado um acordo com o governo e entregara grande parte de suas armas. Vítima de uma armadilha, foi executado. os brasileiros tiraram a última foto do revolucionário, dois dias antes de sua morte. Já durante a passagem pelo México, o comandante oliveira se apaixonou pela médica Maria Buenaventura Gonzáles, que seria sua companheira por toda a vida. enquanto isso, em 1935, o movimento comunista, liderado por luís Carlos prestes, ganhava força no brasil. Mas não o suficiente para derrubar Getúlio.

A ditadura se instaurava no Brasil á medida que os expedicionários cruzavam os EUA. Lá, o grupo se encontrou com Henry Ford, que quis (mas não conseguiu) comprar os valentes carros Brasil e São paulo para tê-los no acervo do museu de sua fábrica. Em Cleveland, os brasileiros precisaram de uma autorização especial para dirigir, que foi assinada pelo "intocável" Eliot Ness, o agente que prendeu Al Capone. Em Washington, foram recebidos por Franklin Roosevelt. O presidente americano entregou uma carta de reconhecimento da nação à expedição. Durante os quase dois anos que passaram nos EUA, a intenção do grupo era persuadir o governo e empresários a investir 100 milhões de dólares na construção da rodovia. Calculava-se que todo o trajeto da Carretera  custaria em torno de 500 milhões de dólares  - os governos de cada país bancariam boa parte dos custos.

Dez anos depois da saída do brasil, os carros e o grupo voltaram de navio para casa. reuniram-se com Getúlio, que lhes homenageou dando o nome da terra natal de cada integrante a ruas do Rio de Janeiro (Bariri, descalvado e Florianópolis). Leônidas foi nomeado cônsul privativo do brasil na Bolívia e ocupou o cargo por mais de 20 anos. Mário Fava, um tempo depois, rumou para o norte, abrindo a estrada Belém-Brasília. O Ford Brasil está hoje no Museu dos Transportes, na capital paulista, e o São Paulo apodrece nos arredores do Museu Ipiranga. Ainda que com trechos improvisados, já existe uma Carretera ligando o norte ao sul do continente, do Alasca (EUA) à patagônia, no sul do Chile e Ushuaia, na Argentina. O primeiro país a concluir a obra foi o México, em 1950. O trecho da estrada que deveria ser construído no brasil até hoje não saiu do papel.



1. BRASIL
Ao som da Banda Marcial e do burburinho da multidão em frente à sede do jornal O Globo, no rio de Janeiro, o tenente Oliveira, o engenheiro Lopes da Cruz e o mecânico Mario Fava partem em um Ford T no dia 16 de abril de 1928 para descobrir, percorres e projetar uma estrada que ligaria as Américas. A Expedição Brasileira de Estudos da Carretera Panamericana é recebida em Petrópolis pelo presidente Washington Luís. Em São Paulo, ganham uma caminhonete modelo T. No dia 2 de fevereiro de 1929, eles chegam ao último ponto do Brasil na rota, em Ponta Porã (PR).

2. PARAGUAI

Floresta no nordeste: uma tempestade arranca do chão o rancho onde dormiam. Depois de 2 meses viajando dentro da mata, chegam a Villa Rica  - cansados, barbudos, com infecção intestinal e febre.

3. ARGENTINA
As rodovias eram boas e o país vivia uma expansão econômica, o que tornava a ligação entre Buenos Aires e a Carretera conveniente. São recebidos por ministros e têm 3 meses de tranquilidade.

4. BOLÍVIA
Deslumbram-se com a cordilheira dos Andes e com os animais da região  - veem de perto lhamas, vicunhas, alpacas e o gigante condor. Com a ajuda de cães que acompanham a excursão, caçam coelhos para comer.

5. PERU
Tablachaca: Fava escapa por pouco de um acidente grave. Chegam doentes a Andahuailas. Após uma longa convalescença, seguem rumo à cordilheira. Levam 4 meses para atravessá-la.

6. EQUADOR
Azuay: no dia 19 de outubro de 1930, desgovernado, o Ford Brasil rola 100 metros ribanceira abaixo. Fava fica preso nas ferragens. O cachorro Tudor, que acompanhava o grupo morre no acidente.

7. COLÔMBIA
Picadas de insetos formam grandes feridas. Em Cali, o solo dos Andes destrói os pneus, que são enchidos com capim. Na selva de Urabá, os carros cruzam os rios desmontados.

8. PANAMÁ
Colón: a expedição visita o canal do panamá. Cidade do Panamá: o presidente, Ricardo Javané, fica impressionado com o fato de o grupo ter conseguido atravessar de carro a selva de Urabá, um feito inédito.

9. NICARÁGUA
Manágua: o líder guerrilheiro Augusto Sandino recebe a expedição na capital. Ele havia fechado um acordo de paz com o governo, mas foi vítima de uma armação em 21 de fevereiro de 1934. Morreu metralhado.

10. HONDURAS
Em apenas 8 dias, percorrem o trecho hondurenho (187 Km) que faria parte da futura Carretera Panamericana.

11. GUATEMALA
Cidade da Guatemala: os carros são consertados e ganham pneus novos. O presidente, Jorge Ubico, lhes dá uma grande quantia em dinheiro.

12. MÉXICO
Huixtla: são obrigados a atravessar rios sem pontes. Em San Jerônico, Oliveira quase morre por causa de uma infecção intestinal. Na cordilheira do Oaxaca, o trajeto é aberto à custa de força física.

13. ESTADOS UNIDOS
Austin: apresentam o projeto ao prefeito e ao governador. Detroit: Henry Ford faz questão de conhecer os aventureiros e oferece um bom dinheiro para ter os carros Brasil e São Pauno no museu de sua fábrica. Oliveira, Fava e Cruz recusam e seguem viagem. Washington, DC: Franklin Roosevert reconhece a expedição em carta.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Jornada da Estrela: Caminhos e descaminhos da Mata Atlântica


A Mata Atlântica abrangia uma área equivalente a 1.315.460 Km² e estendia-se originalmente ao longo de 17 Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí).

Hoje, restam 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares do que existia originalmente. Somando todos os fragmentos de floresta nativa acima de 3 hectares, temos atualmente 12,5%. É uma das áreas mais ricas  em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta e também decretada Reserva da Biosfera pela Unesco e patrimônio Nacional, na Constituição Federal de 1988. A composição original da Mata Atlântica é um mosaico de vegetação definidas como florestas ombrófilas densas, aberta e mista; florestas estacionais decidual e semidecidual; campos de altitude, mangues e restingas.

Vivem na Mata Atlântica atualmente mais de 6% da população brasileira, ou seja, com base no Censo Populacional de 2010 do IBGE, são mais de 118 milhões de habitantes em 3.284 municípios, que correspondem a 59% dos existentes no Brasil. Destes, 2.481 municípios possuem a totalidade dos seus territórios no bioma e mais 803 municípios estão parcialmente inclusos, conforme dados do IBGE.

FONTE: http://www.sosma.org.br/nossa-causa/a-mata-atlantica/