De fato, o que é verdadeiramente essencial em uma viagem? O desejo de partir, a vertigem da descoberta, a alegria do encontro e, depois, a obsessão do regresso. Não encontramos nenhum grande viajante que não tenha experimentado todos estes sentimentos, sucessivamente. Alguns adiaram mais do que outros, uns foram mais persistentes, quiseram ir mais além, roçaram os limites e o ponto de não regresso. Mas todos eles desesperavam por partir, por encontrar e por voltar.
Uma viagem é sempre, assim e antes de mais nada, uma questão pessoal. Podemos viajar em solitário, a dois, a quatro, até em pequeno grupo. Mas as únicas viagens que contam, que marcam e que vivem conosco para sempre, são aquelas para as quais nos preparamos mentalmente, aquelas que começam por ser interiores, antes de serem exteriores.
As viagens que verdadeiramente me marcaram são aquelas que continuaram depois do regresso – aquelas que continuam a viajar comigo constantemente. E essas, não têm a ver tanto com a trilha que percorri, com o restaurante onde comi ou com a paisagem que vi: têm a ver sobretudo, com o estado de espírito em que me encontrava nessas ocasiões, nas sensações que experimentei, os desejos que tinha, o cansaço ou a calma, o calor do sol no corpo, o aconchego do frio, a paz de espírito e o desejo de ir mais além, ou a tentação de ficar ali para sempre.
Viajar é também um ato de liberdade. Porque viajar é conhecer e todo o conhecimento é uma condição de liberdade. Viajar é descobrir o outro – os seus costumes, as suas tradições, o seu país, a sua paisagem, as suas trilhas, os seus sonhos e as suas ilusões. Viajar é ver as coisas em perspectiva, o nosso mundo e o dos outros. É compreender, apreender, aceitar as diferenças. Por isso, a viagem é o maior antídoto, também, contra a ignorância e contra a autosuficiência, de onde nascem todos os fanatismos e todas as intolerâncias.
Porque o viajante não tem leis, nem credos universais. Ele sabe que o mundo é demasiado vasto para a nossa capacidade de compreensão, que o mundo é demasiado diferente e complexo para ser reduzido a verdades pretensamente universais. Por isso, o verdadeiro viajante não parte com ideias feitas nem sai de casa com o catálogo dos locais a visitar nem a programação detalhada da viagem. Quando se viaja, não se procura, encontra-se.
Nos tempos que correm é difícil, todavia, distinguir um viajante de um turista. No meu conceito romântico e, talvez elitista, a viagem ela deve conter necessariamente uma dose de solidão, de desconforto e de desnorte. Exatamente, o oposto do turismo organizado, que é mais fácil, mais seguro, mais barato e onde, acima de tudo, o que valoriza a viagem é o “convívio” e não a solidão.
Uma viagem dá-nos a conhecer a nós próprios e, muitas vezes, o nosso limite. Dá-nos a conhecer o mundo e os outros, ensinando-nos a entender e a respeitar as diferenças. Desperta o sentido de descoberta, a vontade de conhecimento e de encontro. A viagem ensina-nos a ser responsáveis, solidários, práticos, livres e auto-suficientes.
Enfim, indo além, a literatura de viagem ensina-nos que o mundo conhecido foi descoberto por quem se aventurou a descobri-lo, por quem trocou o conforto, a segurança e a crença de que o centro do mundo somos nós e o nosso lugar, pela curiosidade de ver o que havia para além e pelo prazer de dar testemunho da descoberta. Muito mais do que os conquistadores e muito mais do que os governantes, o mundo que temos foi-nos trazido e dado a descobrir e a desfrutar pelos viajantes.
Elias Luiz
Editor do portal Extremos
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